No meio do burburinho de Luanda, os vendedores ambulantes são como sombras inquietas, figuras fugidias que surgem e desaparecem ao menor sinal de perigo. Quem anda pelas ruas da cidade cedo ou tarde tropeça na dança quotidiana entre as zungueiras e a polícia, um jogo eterno de gato e rato que alimenta as crónicas da vida urbana.
Por Malundo Kudiqueba
De manhã bem cedo, ainda o Sol tímido espreguiça os seus raios sobre os musseques, Maria já está na rua, equilibrando na cabeça um tabuleiro repleto de bananas maduras. Nos olhos dela brilha uma determinação que nem o cansaço da véspera conseguiu apagar.
“É hoje que vou vender tudo antes de os homens chegarem,” promete a si mesma, referindo-se aos fiscais municipais e aos polícias. Mas Maria sabe que essa promessa é tão instável quanto os passos de uma criança a aprender a andar.
Por volta das dez, quando o trânsito no Largo da Independência começa a engrossar, a ameaça aparece: uma carrinha da polícia surge no horizonte. O alerta espalha-se como fogo em capim seco.
“Fujam! A bófia chegou!” grita alguém, e a praça explode em movimento.
Os vendedores apressam-se a recolher as mercadorias. Quem tem pernas rápidas escapa com tudo. Quem não tem, sacrifica parte da banca e agarra o que puder. Maria não é diferente. Com o tabuleiro firme na cabeça, corre para uma ruela estreita, enquanto os agentes saem da carrinha como leões à caça.
Mas não é só a fuga que dá cor a este jogo. Quando capturada, Maria conhece o protocolo: uma negociação silenciosa, feita de olhares e gestos. A “multa” não é paga com recibo, mas com uma nota discreta passada de mão para mão. A troca ocorre sem palavras, porque ambas as partes sabem o que está em jogo.
“Próxima vez não quero ver-te aqui,” avisa o agente, mais por hábito do que por convicção.
Maria sorri, com o cansaço de quem ouviu essa frase vezes sem conta. Amanhã estará de volta, com bananas frescas e o mesmo desejo de driblar o sistema.
Na verdade, esta dança é um reflexo cruel da cidade: de um lado, a polícia, que também luta para sobreviver num sistema que pouco lhe oferece; do outro, as zungueiras, que fazem das ruas o palco de sua resistência diária.
Quando a noite cai e a cidade adormece, Maria conta os kwanzas no chão do quarto. São suficientes para o jantar e, quem sabe, para o pão de amanhã. O resto é incerto, mas a certeza da sua resiliência é inabalável.
“Enquanto houver Sol e fome, a rua será a minha loja,” diz ela, para si mesma, enquanto guarda o tabuleiro.
E assim, o ciclo continua, numa Angola onde o comércio ambulante é mais do que sobrevivência — é um acto de resistência e, às vezes, de poesia urbana.
Que tal? Há algo que gostarias de aprofundar ou ajustar?